terça-feira, 7 de fevereiro de 2012

Dia 30# - Blade Runner: O Caçador de Andróides


Críticos de arte em geral torcem o nariz para os filmes de ficção científica por terem uma idéia arbitrária de que o gênero é composto por produções em que a prioridade é dada apenas os efeitos especiais. No entanto, Blade Runner - O Caçador de Andróides (Blade Runner, 1982), foge dos parâmetros pré-estabelecidos e traz adjetivos suficientes para agradar até mesmo os que não são fãs do gênero.

A história é ambientada no início do século 21, mais precisamente em Los Angeles. O clima quente e ensolarado é substituído por uma metrópole de formas e cores sinistras, onde uma superpopulação se amontoa em arranha-céus decadentes, corroídos por uma incessante chuva ácida que teima em cair.
É nesse decadente planeta Terra que vive o detetive Deckard, interpretado por Harrison Ford. Ele é convocado por seus superiores a realizar um último trabalho. Exterminar ("aposentar" é o termo técnico) quatro andróides desertores, chamados de Replicantes, que fugiram à cidade após uma rebelião em um sistema estelar. O detalhe é que essa geração de andróides é o mais próximo que os humanos chegaram da perfeição robótica. Além de serem dotados de grande inteligência, agilidade e força física, os replicantes têm um objetivo a ser alcançado: A busca por mais tempo de vida.
A história é baseada na obra de Philip K. Dick, Do Androids Dream of Eletric Sheep?, e foi adaptada pelos roteiristas Hampton Fancher e David Peoples. A direção ficou a cargo de ninguém menos que o inglês Ridley Scott (Gladiador), que anos antes já havia feito o também cult Alien - O 8º Passageiro. Outros dos nomes em destaque do longa-metragem são os do designer Syd Mead (Moebius foi convidado, mas declinou - algo de que hoje se lamenta), o diretor de arte David Snyder e o diretor de fotografia Jordan Cronenweth, no que é o mais relevante trabalho de suas carreiras. Todo o visual futurista-retrô é inspirado nos filmes noir da década de 50, nos quadrinhos de ficção franceses (especialmente a revista Metal Hurlant) e em outro clássico da ficção científica, Metrópolis, de Fritz Lang. Igualmente marcante é a trilha sonora de Vangelis - uma das mais reconhecidas do cinema até hoje.
O elenco de Blade Runner é composto por Sean Young, Edward James Olmos, Daryl Hannah e Rutger Hauer, em seu melhor papel. É dele um dos melhores momentos do filme, quando profere a célebre frase "todos esses momentos ficarão perdidos no tempo, como lágrimas na chuva". Poético, não?
Além de conquistar o célebre título de cult movie, Blade Runner é considerado até hoje um dos filmes mais influentes da década de 1980, tanto visualmente como pelo próprio roteiro sugestivo. Bom, é que muitas dúvidas sobre o personagem de Ford demoraram muito para serem respondidas claramente. É que em 1993, Ridley Scott lançou uma nova versão do filme, chamada directors cut (versão do diretor), virando de cabeça pra baixo o que se pensava sobre o filme.

Quatro versões e a Edição Especial

Blade Runner é uma das vítimas mais notáveis da indústria do cinema na história. O clima sombrio e pessimista da versão entregue por Ridley Scott foi amenizado pelo estúdio para o lançamento nas telas. Primeiro, os gênios hollywoodianos resolveram que a produção carecia de explicações. Assim, Roland Kibbee, premiado por seu trabalho na série Columbo, foi chamado para escrever toda a simplista narração em off do personagem de Harrison Ford. Esse foi o último trabalho da carreira do roteirista, que morreu dois anos depois.
Além disso, toda e qualquer referência à irônica idéia de que Deckard seria também um replicante foram extirpadas da montagem (os sonhos, o unicórnio de papel). Pra completar, um final feliz, com o Caçador de Andróides e a bela Rachael (Young) fugindo juntos para as montanhas foi inserido. A cena final, criada a partir de sobras de filmagens deixadas na sala de edição por Stanley Kubrick quando dirigiu seu O Iluminado (1980), mostra uma estrada subindo belas montanhas nevadas. Absurdo... parte do apelo do filme é sua visão, quase profética, em mostrar problemas como a superpopulação e a mudança climática - e o tempo todo é martelado no público que fugir para as colônias espaciais é o único meio possível de felicidade (o dirigível está presente em todo o filme, mesmo nas cenas internas, através da luz). A existência de um cenário idílico como aquele do final do filme original vai de encontro a todos os conceitos estabelecidos durante toda a história.
Não dá pra saber se foi por esses motivos ou não (as críticas negativas são frequentemente citadas como um dos fatores que contribuíram para o insucesso), mas Blade Runner foi um fracasso nas bilheterias dos Estados Unidos. Na verdade, é mais provável que a dura concorrência de E.T. (de Steven Spielberg), que estreou duas semanas antes, em 11 de junho de 1982, dominando as bilheterias, seja a responsável. Além disso, O Enigma de Outro Mundo (The Thing, de John Carpenter) também estreou no mesmo dia que Blade Runner, com apelo ao mesmo público, dividindo a arrecadação. Vale destacar também que a versão lançada nos EUA (U.S. theatrical version) e a que ganhou o resto do mundo (International Cut) são diferentes. A primeira tem menos violência.
Foi só com o tempo que as sutilezas do trabalho de Scott foram notadas - e Blade Runner ganhou status de "cult".
Dez anos depois de seu lançamento, o filme chegou aos DVDs com uma "versão do diretor" (Director's Cut, 1992), montada a partir da edição que Scott aprovou originalmente. O disco, porém, não teve a participação direta do cineasta, que a considera um tanto apressada. De qualquer maneira, essa versão e a que chega agora ao DVD, HD-DVD e Blu Ray (Final Cut), são parecidíssimas. A diferença é que a última teve algumas cenas estendidas - há até uma sutil refilmagem, com Zhora (Joanna Cassidy) fugindo do Caçador -, e está remasterizada com qualidade impecável. Efeitos especiais, som, tudo foi "reformado" e o filme, que completou em 2007 25 anos de idade, parece ter sido feito ontem.
A Edição Especial traz em três discos as quatro versões mais conhecidas do filme (há outras para a TV e festivais, de menor importância): As duas de 1982 (Versão para cinema EUA e Versão para cinema internacional), a Versão do diretor (1992) e a Versão final do diretor (2007).
Um dos maiores registros históricos de um dos melhores filmes de ficção já realizados. Pra se divertir comparando e conferir como as visões comercial e artística de um mesmo produto podem ser tão diferentes quanto homens e máquinas.

Até a Proxima

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